Aulas de língua portuguesa podem despertar sentimentos e ressignificar contextos

Quando eu tinha mais ou menos uns oito anos, o que eu mais gostava de fazer era mexer nos papéis do meu pai. Com aquela papelada toda, ele se passaria por um professor ou por um advogado tranquilamente, mas era só um estudante, e um pensador… Um grande pensador! E não que ele tenha inventado alguma teoria ou escrito alguma frase hoje repetida nas legendas de fotos nas redes sociais, entretanto, um dia, ele me disse algo tão impactante quanto isso tudo.

Estava eu a folhear uma velha apostila de Língua Portuguesa, quando me deparei com canções de Caetano Veloso e de Chico Buarque e pus-me a ler tão complexas poesias. Obviamente não entendi nada, mas, depressa, decorei algumas daquelas letras.
Não pude deixar de perguntar a meu pai o que significavam os versos “O que quer / O que pode esta língua?”, da canção “Língua”, de Veloso. Meu velho pai – que, à época, não era tão velho assim – não teve muita paciência em me explicar.

Na hora, achei ruim quando ele disse: “Qualquer dia desses, na aula de Português, você vai entender.”. Esse gesto, somado a uma casa repleta de livros de Literatura que eram da minha mãe, instigou meu interesse pela língua, o que se reverberou na minha postura sempre atenta às esperadas aulas de Português.

Algum tempo depois, um professor de Redação, no primeiro ano do Ensino Médio, convidou-nos a escrever sobre o que esperávamos de nossas vidas para os próximos anos até a entrada na universidade. Durante a produção do meu texto, vi que eu pouco sabia falar sobre o futuro. Havia muitas e muitas linhas em que eu expunha o meu passado, e quase tudo tinha a ver com coisas que eu havia lido ou escrito algum dia.

Naquele dia, eu entendi “o que queria e o que podia esta língua”, era ela quem, de alguma forma, regia a minha vida. Escrever era, portanto, a minha grande paixão e, indiretamente, respondi à pergunta de meu professor: eu queria estudar para ser aprovada em algo que me pusesse em constante contato com a língua. E, anos mais tarde, optei por algo que me permitisse dialogar com as pessoas a respeito dela.

Dia desses, na sala de aula, um aluno foi quem me perguntou: “Professora, quando a gente escolhe as palavras pra colocar em um texto, isso acaba sendo uma opinião nossa?”. Eu, prontamente, respondi que sim, e o garoto, aos 13 anos, concluiu: “Então não existe objetividade!”. Sorri com os olhos. Ele havia encontrado resposta para o questionamento de Caetano, mais depressa que eu, mas onde havia previsto meu pai: na aula de Português.

Por Gabriela de Souza Marques Valdevieso – Professora de Língua Portuguesa do Colégio Platão

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