Literatura cria pontes entre o real e o imaginário e dá mais sentido à vida

 

Mímesis ou mimese – foi assim que Aristóteles nomeou toda a produção artística Mímesis, que, de acordo com o filósofo grego, compreende a significação da palavra imitação. Para Aristóteles, um bom texto deveria ser fundado e fundamentado na estrutura do real, ou seja, o texto deveria imitar a realidade, deveria ser verossímil a fim de comprovar sua qualidade estética. Machado de Assis, nosso maior nome da literatura brasileira, absorveu de forma profunda, minuciosa e calculista o real: talhou, no mármore da realidade, o caos, a degradação e as vilezas que corrompem e circundam o homem universal. Porém pode o ser humano estruturar-se somente no que vê e toca?

O ser humano, segundo Cândido, tem direito à literatura. A literatura cria mundos. Entretanto muito desses mundos nem sempre são verossímeis com a realidade;  parecem captar ecos e apontar pistas de outro mundo, não de um irreal, porém, quem sabe, de um mais verdadeiro. Será que o palpável dá conta de sustentar o real? Daí surgem as explicações para o inexplicável e para o ilógico, e aquilo que não se pode ver, mas somente ser sentido,  aparece na literatura. É a Magia! As fadas, os dragões, as princesas – mundos encantados são construídos de dentro dos porões da realidade. Há a descoberta de uma alegria, de um anseio insatisfeito que preenche o ser humano e o coloca a desejar e a buscar uma realidade mais profunda e mais real; e então aparece o fantástico.

Frances Hodgson Burnett, no livro O jardim secreto, escreveu “– O sol brilha, o sol brilha, isso é Mágica. As flores crescem, as raízes alimentam, isso é Mágica. Estar vivo é Mágica. Ser forte é Mágica. A Mágica está dentro de mim, dentro de mim. Está em mim, está em mim. Está em cada um de nós. […]. Mágica! Mágica! Venha nos ajudar!”. Quem diz isso é o personagem Colin, um menino a priori chato, mimado, teimoso e doente. Mas, no desfecho do livro, tem sua psicologia profundamente transformada: torna-se alegre, animado, educado e, sobretudo, vê que a realidade circundante vai além do que os olhos enxergam, há algo mais profundo que permeia e sustenta a realidade: a Mágica.

E o que é a Mágica? A Mágica não são apenas reinos encantados, com elfos e animais falantes. O fantástico, o sobrenatural – a Mágica – é um olhar da alma humana para um futuro em que há esperança. A magia ajuda-nos a acreditar que tudo vai dar certo no fim, que apesar do cotidiano conflitante, desgastante e angustiante a que somos submetidos, há esperança, podemos confiar em dias melhores. Como próprio escreveu o mestre da fantasia, Tolkien, em O Senhor dos Anéis, “Há algo de bom neste mundo e vale a pena lutar por isso”. Ideias como essa tocam fundo nossa humanidade e nos levam ao verdadeiro significado da vida e à qual postura devemos ter em relação a ela.

Todorov, o grande crítico da literatura fantástica, admoesta os leitores sobre o fantástico: aparece quando não sabemos se as causas e os contextos são naturais ou sobrenaturais. A dubiedade é o que ratifica o fantástico.  Acredito que a literatura fantástica traduz um quadro de matizes mais fortes, de traços mais verdadeiros e de desenhos mais fidedignos, mas que não podem ser contemplados a olho nu. C. S Lewis, o escritor narniano, já dizia, “Se encontro, em mim mesmo, desejos, que nada neste mundo pode satisfazer, a explicação mais provável é que eu fui feito para outro mundo”. Aristóteles acertou, quando consideramos que a literatura fantástica imita a realidade: não apenas a superficial, como também uma abissal: onde encontramos a Magia.

Por Luis Filipe Silva -Professor de Literatura do Colégio Platão 

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